Uma gangue que se chama humanidade.
Descobri que nesse meio onde eu habito reina o ódio, a inveja, o rancor, a mentira a falsidade...
Com os meus olhos eu vi que o duelo dos homens, pela ganância pelo poder, pelo ter, faz com que não se respeitem mais, por não conhecerem o amor... E se entre eles houver aquele que tenta conhecê-lo, é excluído do meio...
Ah, quanta hipocrisia nos olhares, quanto medo, quanto engano, quanta falsidade eu vi dentro dos olhos dos meus irmãos...
Mesmo assim não desisti, segui com o tempo sem olhar para trás, fui rasgando o amanhã como vento em grandes temporais na esperança de descobrir o que estou fazendo aqui. Pergunto-me o que posso fazer para mudar essa rotina? Procuro algo que eu possa fazer e não encontro uma luz, então por conta e risco resolvi amar e perdoar sem medidas, mas isso não foi suficiente, uma voz me disse:
- Em primeiro lugar você necessita entendê-los, ai sim, você poderá perdoá-los e amá-los intensamente. Só que para entendê-los eu tive que me juntar a eles, viver o dia a dia deles, saber o que os fazem tão frios na matéria do amor, então me vi diante de mais um desafio, um grande desafio: Conhecer o berço de cada um, ali onde se guarda todo segredo.
O primeiro berço que conheci foi com a chegada de um casal da maternidade, dias difíceis, papai corre para pagar maternidade, comprar fraldas, enfim tudo o que se muda com a chegada do novo rebento, a mãe apavorada com as ultimas arrumações do quartinho do bebe, tipo papel de parede, almofadas, babá eletrônica, sem contar com as dores no seio, acha que não vai conseguir amamentar, a criança chora, ela diz ter pouco leite, incomodada pede para o marido voltar á farmácia e comprar leite NAN e uma MAMADEIRA, pronto, tudo resolvido, o neném mamou rapidinho e foi para o berço, dormiu e as feridas do peito começam a cicatrizar.
A Babá contratada chega e tudo se tornam mais fácil, os pais agora podem descansar, a Babá é profissional no assunto (recém-nascido), os quartos ficam um pouco distante um do outro, a mamãe nem precisa se levantar se a criança acordar...
Logo pela manhã o casal é recebido com uma bela e farta mesa de café da manhã, afinal, cansados o marido precisa aproveitar os dias da licença paternidade para colocar seus negócios particulares em dia... Em seguida sai para contar para os amigos o quanto à criança é linda, fumar uns charutos longe da casa, afinal a fumaça é forte.
A mãe liga e recebe ligações, vai logo dizendo que tiveram sorte, pela maravilhosa ajudante, chegando a dizer que ela é uma verdadeira mãe para o bebe.
Fui conhecer o segundo berço, uma jovem muito novinha sai da maternidade acompanhada de sua mãe que carrega o bebe no colo.
No rosto da jovem um sorriso largo, olhar distante a avó toda preocupada faz sinal para o ônibus, sobem com cuidado a menina (mãe) nem parece ter saído da maternidade, foi parto normal, a avó já com mais dificuldades pela presença do bebe tão pequeno no colo...
Ao chegar em casa a jovem mãe foi logo tomar um banho enquanto a avó aquecia a água para banhar o bebe, em seguida o mesmo já banhado é levado para o carrinho pela vovó que o toma em seus braços como se fosse a mãe.
Em seguida a avó faz um jantar, serve para a filha que está deitada em sua cama falando ao telefone com as amigas colocando o “papo em dia” como costumam dizer, saber das novidades que aconteceram nos dias em que esteve no hospital.
A avó chega e pede para que a mãe amamente a criança, afinal já se passaram mais de 3 horas que saíram do hospital, a filha até tenta amamentar, mas não tem paciência, a criança ainda sem forças para sugar chora de fome por não conseguir pegar o bico do seio que nem se formou ainda.
No outro dia a avó corre para o posto de saúde mais próximo para ver o que pode ser feito. Orientada volta para casa com um bico de silicone, mas o processo é demorado (jovem não tem paciência), telefone toca, amigos já com saudades querendo visitar e dar uma roletada por ai... Assim vai, a avó para não ver a criança com fome toma a mesma decisão do berço nº 1, vai logo dando o leite em mamadeira, melhor do que ver chorar, à noite a criança dorme na cama de casal, o quarto é pequeno, não cabe berço, apenas o carrinho, ele vai dormir entre a mãe e a avó, mas hoje a mãe não está saiu com amigos foram em uma balada, a noite está fria, a avó o coloca bem juntinho do corpo para se sentir seguro e quentinho.
Fui visitar o terceiro berço, não vi a saída do hospital, fui ao fórum, lá procurei a mãe não encontrei, só vi dois jovens, estranhei, e me perguntei: O que pode haver ali que me levará a conhecer o terceiro berço? Só fui entender quando o juiz disse:
- “Defiro o pedido e informo que com essa decisão é dada a oportunidade de adoção a um casal de homossexuais do sexo masculino, mesmo sabendo a repercussão desse ato”.
Estranhei, ri e pensei, esse quero ver de perto, e lá fui eu, foi tudo mais fácil à criança já crescida, sem fraudas, sem mamadeiras, sem dores de barrigas, sabendo se virar sozinha e já conhecendo o casal de pais, logo se acostumou, também com toda mordomia recebida depois de ter sofrido tanto, ganhou na loteria sozinha.
Fui para o quarto berço, cadê o berço? Achei uma rede, uma mulher e várias crianças brincando. O marido estava de barco na busca da parteira, fiquei preocupada, se a bebe chegar não sei o que fazer será que tem tesoura para cortar o umbigo? Pensava, isso não pode acontecer não vai nascer antes da responsável chegar...Ufa! A parteira chega, tira da sacola uma maletinha e seus apetrechos, calma, com um sorriso nos lábios vai até a cozinha, faz um chá, serve para a futura mamãe, faz lá uma oração para o bom parto.
A criança chega berrando, forte, ainda embrulhado em um pedaço de lençol vai direto para o peito da mãe que tem leite jorrando, nem desmamou o filho caçula ainda, que agora vai dividir o peito com o bebe recém nascido.
Os irmãozinhos descalços lá do lado de fora da casa, choram de fome ao lado do pai que não sabe cozinhar e de cabeça baixa pensa: Será homi ou muié? Podia memo sê homi pra me ajudá na lida.
Se juntam para escolher o nome do novo membro da casa, por não saberem ler e escrever resolvem chamar a vizinha para ajudá-los, aproveitam para pedir que ela cozinhe um feijão e sirva com farinha. Foi uma grande festa, a mãe já se sentindo bem, levanta vai até o quintal e se junta a eles.
Choro e rio ao mesmo tempo, situação única, choro ao me ver diante de tamanha miséria financeira, rio ao ser convidada a participar da mesa onde pude comer o melhor feijão, temperado com água impura e acompanhado de farinha. Afirmo que nunca tinha visto tamanho amor e generosidade entre os irmãos principalmente frente a grande dificuldade existente na comunidade.
Nome escolhido, barriga cheia e muita alegria.
E eu, na missão que dei a mim mesma, de entender a humanidade, volto para casa com a certeza de ter descoberto, então, porque ela é tão fria em matéria de amor...
da série: Indignação...